sábado, 16 de agosto de 2014

Crédito Habitação - O Sonho do Homem Próprio

Ano 2014 a.C, num mundo esquecido, perdido, perfeito, paralelo e longínquo, existia uma cidade que sua beleza lembrava as pérolas do Atlântico, sua formosura lembrava a sereia que enfeitiçou o mais bravo dos desbravadores e seu nome era de todo especial; chamavam-na de Kianda.
Em Kianda, tudo era uma maravilha. Após longos anos de luta, a elite que governava a cidade conseguiu sanar todos os problemas que afligiam a população. Durante muito tempo, os jovens lutaram muito para realizar o sonho da casa própria. Era duro se formar e depois não ter onde morar. Porém, com a sabedoria de Salomão, criaram programas que davam créditos habitacionais e construíram uma nova centralidade com vários prédios a que chamaram Centralidade da Kitamba. Com a entrada da Kitamba em cena, a casa própria deixou de ser um sonho, tornou-se uma realidade e todo mundo vivia feliz em direcção ao Para Sempre. 

Bem, essa viagem histórica poderia acabar aqui mas sinto-me obrigado a contar-vos sobre os grandes movimentos de solidariedade que surgiram em Kianda. Após terem todos os seus problemas resolvidos, as citadinas sentiram-se assoladas, senão mesmo flageladas, com uma escassez periclitante de homo-sapiens. Se vos dissesse que estava duro ter homem naquela época, estaria a ser muito mentiroso. Na verdade, os sábios daquela era não davam adjectivo nenhum à situação. Diziam apenas que a situação estava. Sim, a situação estava! Era um assunto o qual era proibido cochichar sequer pelos cantos da nobre cidade.

A satrapia que viveu momentos de grandes alegrias e glórias, andava muito triste, pois os homens estavam em via de extinção. Se homens fossem água, muitas mulheres jamais voltariam a tomar banho. Algumas que conseguissem, teriam que tomar o seu maravilhado banho "cô" caneca e só chegaria para duas safas. Como era um problema que estava fora das esferas governamentais, o Executivo não tendo formas de resolver a situação em massa, ajudava onde podia em capacidade pessoal. Assim, começou então um grande movimento de solidariedade denominado "Se Ninguém Sabe, A Gente Come." Esse movimento solidário permitiu que muitas mulheres comessem no prato das outras embora a maioria que participava nesse programa de cariz humanitário não hesitava em cuspir na cara de quem admitisse se beneficiar de tal plano também.

Para matar a fome, algumas recorreram à alguns mariscos e outros pescados. Mesmo assim, os camarões tomavam soníferos deliberadamente de formas a dormirem, serem levados por outras ondas e fervidos em panelas anónimas. A regra principal era comer, limpar a boca ao guardanapo e engolir o guardanapo. Mas nem tudo era esse mar de rosas. Como se o número de homens existentes naquela cidade não fossem suficientes, homens com conteúdo e capazes de entreter uma mulher eram cada vez mais raros. Aos poucos, as mulheres cediam à homens que não correspondiam aos seus padrões. Bago à bago, as galinhas enchiam o papo com farelo e sapupo; milho era caviar. Os "talos" parentes envolvidos nestes trabalhos semelhantes aos da UNICEF eram tremendos boqueiros e não tinham ética profissional. Todo o sítio abriam a boca para falar sobre as ajudadas!

À medida que esse programa alternativo avançava, as kiandenses continuavam na batalha de ter o seu homem próprio, nem que tivessem que aliciar um bem público a tornar-se privado. As proprietárias de imóvel masculino além de reivindicarem os seus direitos, redobravam a segurança afim de evitarem ajudas humanitárias; umas até, metiam os seus homens no bolso e não tiravam nem que ele vibrasse. Por outro lado, entidades privadas pensavam em uma forma de criar um banco em que se pudesse depositar divisas masculinas para futuras transações como compra e venda das mesmas usando palcos, luzes e carritos para atrair mais bens masculinos aos bancos. Aos olhos de quem sofria, surgia a indignação de quem via bem masculino comprando bem masculino dificultando mais ainda a interacção com os serviços femininos. Assim a crise piorava... Era comum ver por aí moças dando o braço ao jacaré para garantir um homem e outras vendendo o rim que eram arrancados à sangue frio no mercado negro para não perder o seu. Submetiam-se e sujeitavam-se à qualquer coisa só pra dizerem às outras: - Wô, pelo menos tenho lá que é meu. - Já não queriam mais saber. Ter um "prostateiro" ao seu lado estava valendo mais do que a própria dignidade ou vida. "Aquilo memo tão le pisá" no peito, mas elas rijas, nem choravam mais, o amor próprio não superava a posse. Igrejas com déficit de neandertais não eram frequentadas, diziam que ali Deus não operava.
Os homens nisso tudo continuavam os burros de sempre, sendo meras presas dos seus desejos carnais e pouco pensamento no futuro. Para eles qualquer dama dava, mas imperava sobre eles a indecisão e pouco aprumo nas suas escolhas. As jovens já diziam abertamente que eles estavam a dar treino à todas elas. Estava difícil pra todo mundo... Seja bonita ou feia! A arrogância das ditas bonitas e donas de vários corações saíam pela culatra porque as feias estavam a casar e elas não. Foram obrigadas a rever os seus padrões e começaram a fisgar e a prender o primeiro palhaço que aparecesse. A vida não estava para muitos shows e concertos de gente metida à deslumbrante demais para qualquer um

Do jeito que as coisas iam, sabia-se que todo mundo era atleta, porém, gostavam de jogar à noite numa Cidadela em que os holofotes tinham que estar apagados; pra quê só?! É "pro causo proque então?" Todo mundo sabia que quem se distraísse, levaria do Suarez, e os atentos levariam do Zidane... Todos os dias havia Alemanha versus Brasil. Parecia-me que mais tarde ou mais cedo as mulheres iriam partilhar os seus parceiros abertamente com as amigas como se fossem "screenshots", visto que na calada dos olhares e nos olhares das bocas, as amigas se lambuzavam com o pirulito das outras, e após provarem e aprovarem o sabor, demandavam por melhores condições para consumir um produto que não era seu.
As pessoas daquela época gritavam de repugnância quando abordassem os vários casos de partilha, no entanto, a maioria se "num tava lá," já esteve lá a fazer a mesma coisa. Se "num teve" lá, queria estar lá a fazer a mesma coisa.
Era interessante que tudo era permitido desde que a boca continuasse trancada... Via-se então o poder do silêncio... Foi aí que grandes filósofos deduziram que o silêncio era a arma do negócio. Quem falava muito, acabava não tendo boas relações.

Mas graças à Deus, isso tudo aconteceu há milhares de anos atrás, num universo paralelo e em Kianda. Luanda está nem aí para isso! Nós aqui estamos preocupados com a educação, saúde e o sonho da casa própria. Certo?!

Vamos Lá Ser Sinceros!

14 comentários:

  1. A cada dia que passa só tenho agradecer por nos brindar com as tuas crónicas, que leva a viajar por momentos idos assim como apreciar uma análise única sobre a nossa sociedade e o nosso dia a dia , pois nos conectamos logo com a redacção.
    Comecei a visitar este ano já tive a oportunidade de ler a maioria dos textos publicados
    Obrigado por nos conceder a honra de ler os teus textos, proporcionando uma agradável com pinceladas de humor, drama, suspense, acção...
    Keep walking this way
    Henrique Cauanda

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    1. Muito obrigado, Henrique. Visite-nos sempre e deixe sempre o teu feedback!

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  2. Sendo o que descreves o sonho, muitos dos atletas às escuras pela cidadela ainda irão arriscar pedir as coordenadas para à Kianda. O resto de nós fica mesmo na realidade Luandina.

    Ps: Essa mente ai... :)

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  3. Quem dera que isto fosse em 2014 a.C. (LOL)
    Excelente texto.

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  4. Excelente texto, 2014 a.c. e ainda continuamos com os ditos sonhos

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  5. Realidade escrita e bem dita, engraçado é que todo mundo tem esse sonho em comum hahahaha

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  6. Parabéns Mauro.
    Mas vou continuar num silêncio barulhento. Sim, esse silêncio faz mais barulho que as calembas.
    Força

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