domingo, 4 de maio de 2014

Mãe Polícia, Filho Ladrão

- Uauê... O Mauro mudou, o Mauro mudou, tia! O Mauro mudou! - Assim gritavam aqueles que passavam pelo corredor do meu andar no prédio 186 da Avenida Brasil.
Era tanto tumulto que minha mãe acabou se apercebendo. Saiu a correr e encontrou uma miniatura de meio metro a dar o show nú em piloto na entrada do 6º andar. Sob o efeito supersónico da corrida dela, não percebi quando fui removido de fora para dentro. Ela ficou 10 segundos calada. Embora até hoje eu acredite que tivesse sido 30 minutos de silêncio. Depois daquela demora abismal para se pronunciar sobre a minha performance pública, ela agiu como qualquer outra mãe agiria. Agachou-se até à minha altura, despiu meu ser com o seu olhar perfurador e tocou a minha alma. Sim... Minha mãe tinha aquele dom de nunca mexer com o meu físico. Ela mexia com o meu psicológico! Enquanto ela olhava ardentemente para o seu rebento, eu transpirava quilolitros de suor num dia em que nem estava assim tanto sol lá fora. Aí... Aí eu percebi que estava em palcos de aranha, estava feito ao bife e que estava mais do que certo que iriam brincar com o meu boneco, o meu corpo já não me pertencia. Ela começou então a conversar comigo com uma "granda" galheta da cara! Aquela grelha foi tão bem dada que eu não fui pra frente, nem pra trás... Sentei no chão e algo dentro de mim me aconselhava: Realmente mudar "né" bom, fizeste isso porquê? Queres nos matá?! Mas uma chapada para minha velha era apenas petisco, estava mais para um abre apetite e eu tipo tinha boa pele para levar porrada. Como disse anteriormente ela tocava a minha alma, preferia tocar o meu ser psicológico através do ser físico. Suas cotoveladas, joelhadas e chutes de Muay Thai transcendiam o material para abraçar o meu espírito da assanhadice reverberando todas as palavras de apoio, conforto e juízo que ela proferia e que não sei se era por questões de rimas ou figuras de estilo terminavam sempre "ahm." Era algo tipo:
- Vais fazer mais isso, ahm? (5 chapadas)
- Você já não aprende, ahm? (Combo de 10)

Eram tantas perguntas retóricas que sempre que eu tentasse responder alguma, era como se estivesse a pedir para me matarem "cô" surra. Só sei que aumentavam a intensidade da punição a que estava a ser submetido. Aquelas porradas me deixavam sempre cada vez mais maduro. Tão maduro que eu não repetia as minhas besteiras e isso é que complicava a decisão da minha mãe. Eu tinha uma grande capacidade de não repetir as porcarias que fazia que até eu mesmo me respeitava. Nunca me bateram por ter feito algo duas vezes. Eram sempre novas colecções. Eu era tipo esses miúdos ricos que não repetem as suas roupas. Eram brincadeiras da Armani, lixos da Tom Ford, era tudo top de gama. Eu via o ar de dúvida nos olhos da minha mãe. Ela não acreditava que tinha em casa um génio do suicídio sempre com novas artimanhas para se matar.

Houve uma vez que por ter 9 anos deixavam-me ir à igreja sozinho. No princípio eu até ia. Porém, os campeonatos de video game eram organizados aos Domingos. Eu era um dos pais grandes da minha banda no Mortal Kombat Ultimate, Street Fighter, King Of Fighters, Samurai Showdown, Fatal Fury e tantos outros jogos. Não podia deixar os créditos da Vila Alice em mãos alheias, então todos os Domingos eu estava nas casas de jogo no horário da igreja a defender o cinturão com os meus parceiros (Ito e Mero).
Era sempre assim todos os santos Domingos até que um dia chego em casa e a minha mãe me pede para repetir a pregação... Naquele instante, surgiu-me a música de Erasmo Carlos na cabeça... Aquela aí intitulada Você Me Acende... Oh "shalabacana, senhô!" Xê, minha velha ao perceber que eu não havia ido à igreja e que possivelmente não costumava a bazar; fez com que o poder de Deus descesse naquela casa e queimasse tudo de ruim em minha vida. Fui jogado para o canto da sala, não tinha como fugir, golpes eram milimetricamente desferidos às minhas costelas, cabeça, peito, braços, pernas e tudo mais. Não sei se ela praticava acupuntura, mas sabia perfeitamente em que nervos me atingir para impossibilitar qualquer tentativa de fuga. Ninguém podia me acudir apesar dos gritos incessantes proferidos pela minha boca. No meio de tanto desespero eu gritava: "Tatoriô", mamã uê! Vais me "matá!" Entretanto, para me acalmar ela dizia que não, não, eu não vou te matar! Era impossível alguém se meter porque mesmo alguém que chegasse fervendo, encontrava a minha queimando, torrando, derretendo... Aquilo é que era mulher má, "num" são essas de hoje em dia. "Você é pessoa é quenhê você para se meter onde a minha mãe estava a operar milagres?! Tás a brincá cô vida ou quiê?!"

Desde aquele dia comecei a perceber o que a minha mãe sempre tentou me explicar e eu não tinha neurônios para compreender. O problema não estava em errar, mas sim, em ser apanhado!
A partir daquele fase eu passei a me dedicar aos detalhes, a fazer de tudo para bater o meu sistema de segurança. A minha kota tinha as perguntas mais matreiras do mundo. Perguntava-te feijão, mas quer saber do filé-mignon. Ela sabia que um mentiroso concordava facilmente com as deduções alheias afim de se livrar, então ela fazia esse jogo e encurralava o bandido no final com perguntas de gancho (mas você não disse que...). Tive que aprender isso tudo, como me antecipar as perguntas, prever o objectivo de cada questão, criar detalhes, adicionar figurantes e nunca incluir alguém que pode ser contactado na mentira. Eu perdia horas percebendo o padrão comportamental da minha mãe e rever as minhas falhas. Como se tivesse tudo a passar num filme, eu pensava e repensava. Descobria os meus erros. Eu tinha que aceitar a minha natureza. A minha natureza era de um ser propenso à muitos erros.
Como não podia deixar o meu time de video game desfalcado, eu ia sempre aos campeonatos. Entretanto, ao regressar à casa, lia uma passagem da Bíblia, memorizava, interpretava e preparava a minha própria pregação para evangelizar a minha velha que me esperava em casa. Eu parava na rua e abria a Bíblia. Lá me deparava em Segundas de Samuel 11 e 12 com a estória da queda de rei Davi. Como já havia memorizado alguns versículos do livro de Jó, Coríntios e Provérbios eu chegava em casa pronto pro "freestyle" de momento. A "mamoite dropava o beat" e a sessão começava quando eu dizia à minha mãe que em Provérbios 27:20 diz que os olhos do homem nunca se satisfazem. Então eu prosseguia contando as cenas do casamento de Davi e Bate-Seba, todos os seus erros e claro que daí era só fazer uma ligação com o livro de Exôdos e dizer que ele havia rompido o sexto, sétimo, nono e décimo mandamento. No final atirava uma de Jô 8:34 que diz que todo o que comete pecado é escravo do pecado.  A velha dava-me um 20/20 e o problema estava resolvido.

Ao perceber como a minha mãe me apanhava, eu fiz questão de lhe superar e por isso vos digo:
- Vamos Lá Ser muito Sinceros!

Como mãe ou pai, nunca explique ou dê a entender ao seu filho como conseguiste descobrir as suas artimanhas. Apenas chape o camelo e deixe-lhe bem claro que você sabe de tudo. Nada de lhe explicar ou mostrar que é muito mais esperto. Por natureza, o ser humano tende a superar aquele que ele considera o seu opressor. E isto não acontece só na relação paternal ou maternal mas também nos namoros e casamentos. O lado que se arma sempre em mais esperto, que passa a vida a esfregar na cara da dama o seu desrespeito e que é muito esperto para ser superado; não tarda o outro está na casa de jogos enquanto tu julgas que ele está na igreja e obviamente ao aparecer, ele te aparecerá com uma pregação que é botar um sotaque brasileiro que já podem começar a receber fiéis dentro de casa.

Atenção: Polícia muito inteligente, ladrão genial!

Muito obrigado e Feliz Dia das Mães!

13 comentários:

  1. Haahahahahha brincadeiras da Armani, lixos da Tom Ford!

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  2. Fantastic text!!!Surra as vzs fz bem..rsrs Combos d galhetas e golpes d Muay Thai com o rapz...rsrs..ñ precisou mudar, continuou brincalhao + d forma intelligent memorizando passagens bíblicas para simular a momoite..👏👏👏

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  3. Desta feita já estou esperando a proxima...força mano..mas att levaste muito fatality e brutality..

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  4. HAHAHAHAHHAHAH nasci no bom tempo :D não apanhei surras, mas aprendi muito com as surras que o meu irmão levava!

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    1. É triste ter conhecimento que uma jovem na tua idade não foi sequer ensaboada e enxaguada em condições!

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  5. Queres me matar de tanto rir só podeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee. Não levei tanta surra assim, mas aquele olhar akáaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa

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    1. Indira, antes fosse querer apenas te matar!... O olhar da minha mãe parecia ter raios solares, queimava pra caramba, mas muito aprendi!

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  6. Do bom texto! Fez-me lembrar dos erros que cometi entre 13 à 16 anos de idade. Mulheres as vezes são difícies de entender por serem muito imprevisíveis, mas uma vez que a abertura e o meio foram bem feitos é "pracatá, tauas!" Gostei imenso do texto, é realmente cativante e vai mudar a ideologia de vários "madiés" que pensam ser os reis do game. Espero pela continuação.

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  7. Amei esse text o MS ha mto tempo k n dava tantas risadas...kkkkkk

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  8. És, simplesmente, bom no que fazes! Realmente não devemos nos armar em mais "vijús"

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